Como empresário, o planejamento tributário e a mitigação de eventual dívida fiscal deve fazer parte do seu dia a dia. Dentre os inúmeros tributos pagos pelas empresas brasileiras, é sabido que prestadores de serviços estão sujeitos ao recolhimento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN ou simplesmente ISS).
Dentre outros tributos incidentes sobre os valores relativos às prestações de serviços, também há a incidência da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), que se dão sobre a totalidade das receitas da pessoa jurídica.
Ocorre que, com base em argumentos semelhantes àqueles que foram acolhidos quando do julgamento da denominada “Tese do Século” – que consiste na exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições para o PIS e COFINS, por se tratar o ICMS de receita dos Estados e não dos contribuintes, firmada no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 574.706/PR (Tema 69) -, os contribuintes também contestam a (in)constitucionalidade da inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da COFINS, notadamente por entender que tal tributo não compõe o faturamento ou receita das empresas, tratando-se, na verdade, de receita dos Municípios.
No presente artigo abordaremos os motivos pelo qual entendemos que o ISS também deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS, bem como trataremos das semelhanças entre as duas teses.
O que é o ISS
O ISS é um tributo municipal cuja alíquota mínima é de 2% e a máxima de 5%, a depender do Município onde o tributo é devido e da natureza do serviço prestado.
Para sofrer a incidência do ISS, o serviço deverá estar listado na lista anexa à Lei Complementar n.º 116/2003 e deve haver lei municipal instituindo sua cobrança.
Quem deve pagar o ISS
O ISS é devido pelos prestadores daqueles serviços listados na lista anexa à Lei Complementar n.º 116/2003 e, ressalvadas as exceções trazidas pela referida Lei, deve ser recolhido para o Município no qual está localizado o estabelecimento do prestador.
O que são o PIS e a COFINS
Existem atualmente no Brasil cinco espécies de tributos, quais sejam:
- impostos,
- taxas,
- contribuição de melhoria,
- empréstimo compulsório, e
- contribuições.
Veja que a Contribuição Previdenciária Patronal e as Contribuições Sociais, também denominadas de Contribuições de Outras Entidades ou Contribuições Parafiscais por Conta de Terceiros não estão expressamente dispostas na lista, pois estão abarcadas pela espécie “contribuições”.
A Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) são Contribuições Especiais de competência da União, destinadas principalmente ao custeio da seguridade social.
A incidência do PIS e da COFINS se dá sobre a totalidade das receitas auferidas pelas pessoas jurídicas, sendo que as alíquotas e formas de apuração podem variar de acordo com a atividade explorada pelo contribuinte.
Em regra, a apuração destes tributos, cujos recolhimentos são mensais, ocorre de forma não cumulativa, nos termos estabelecidos pelas Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03. Nesta forma de apuração é permitida a tomada de créditos sobre os insumos utilizados na prestação de serviços e industrialização de bens para abatimento dos tributos a recolher.
No regime não cumulativo, a alíquota do PIS é de 1,65% e da COFINS de 7,6%, ressalvados alguns setores que sofrem a incidência de alíquotas específicas. E o regime de apuração cumulativo, aplicável para empresas de diversos setores da economia, não é permitida a apropriação de créditos pelos contribuintes, contudo, as alíquotas são menores, sendo, em regra, 0,65% para o PIS e 3% para a COFINS.
Especificamente para alguns ramos, a incidência destas contribuições ocorre de forma monofásica, concentrando-se em apenas uma das empresas da cadeia de circulação das mercadorias, geralmente o produtor ou importador.
Exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS
Após a prestação de serviços e da respectiva emissão das notas fiscais, o contribuinte submete-se ao recolhimento do ISS.
E posteriormente, as receitas auferidas em decorrência da prestação destes serviços sofrem a incidência do PIS e da COFINS, cujo aspecto material da hipótese de incidência se encontra previsto no art. 195, I, ‘b’, da CF/88:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
(…)
b) a receita ou o faturamento;”
Apesar de ter delimitado as materialidades passíveis de incidência das contribuições destinadas à seguridade social, a Constituição Federal não trouxe a definição dos conceitos de receita ou faturamento.
Em obediência ao princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, CF/88), as contribuições em questão devem atingir apenas ingressos ligados à riqueza própria dos contribuintes.
Assim, os valores que apenas ingressam transitoriamente na contabilidade dos contribuintes e não se incorporam ao seu patrimônio não revelam capacidade contributiva. Esse é o caso do ISS que, apesar de incluído nas Notas Fiscais emitidas pelos prestadores de serviços, constitui receita das municipalidades. Confirmando tal assertiva, está a lição de RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA:
“os valores que a pessoa jurídica recebe no interesse de terceiros, a quem pertençam, não são receitas dela, mas meros ingressos de entradas, podendo, ainda, segundo o mesmo conceito, representar receita da pessoa a que se destinam”.1
Conforme dizeres de GERALDO ATALIBA, “nem toda entrada é uma receita, na medida em que só se considera receita o ingresso de dinheiro que venha a integrar o patrimônio da entidade que a recebe”2. Em complementação aos referidos dizeres, vejamos os esclarecedores ensinamentos de AIRES BARRETO:
“As receitas são entradas que modificam o patrimônio da empresa, incrementando-o. Os ingressos envolvem tanto as receitas quanto as somas pertencentes a terceiros (valores que integram o patrimônio de outrem); são aqueles valores que não importam modificação no patrimônio de quem os recebe, porém mero trânsito para posterior entrega a quem pertenceram. (…) Apenas os aportes que incrementam o patrimônio, como elemento novo e positivo, são receitas. (…) Receita é, pois, a entrada que, sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, se integra ao patrimônio da empresa, acrescentando-o, incrementando-o.” 3
Não há dúvidas de que o ISS, que inclusive é destacado nas notas fiscais de prestação de serviços, é uma receita do Município que tem a competência tributária para exigir o referido imposto, de modo que não se trata de entrada financeira que integra o patrimônio do contribuinte e não compõe positivamente a avaliação (“valuation”) de sua empresa. Consequentemente, sua exclusão da base de cálculo do PIS e da COFINS é uma medida necessária.
Similaridades com a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS
No julgamento do Recurso Extraordinário n.º 574.706/PR (Tema 69) pelo Supremo Tribunal Federal se fixou a tese segundo a qual o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS, notadamente por não se tratar o tributo estadual de riqueza dos contribuintes.
A despeito do referido julgamento, denominado por muitos de “tese do século”, a Receita Federal permanece exigindo a inclusão do ISS, tributo Municipal, na base de cálculo das referidas contribuições.
Entretanto, a mesma lógica aplicada à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS também é cabível para excluir o ISS, raciocínio este que vem ganhando espaço na jurisprudência mais recente.
Isso porque, embora a denominada tese do século faça referência ao ICMS, o mesmo raciocínio aplica-se ao ISS, na medida em que, em ambos os casos, não há acréscimo de riqueza ao patrimônio do contribuinte, uma vez que os valores recebidos devem ser repassados aos Fiscos Estaduais, no caso do ICMS e Municipais, no caso do ISS.
A título exemplificativo, confira abaixo um dos inúmeros recentes julgados aplicando a “tese do século”:
TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXCLUSÃO DAS PARCELAS DO ISS NA BASE DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES AO PIS E À COFINS. REPERCUSSÃO GERAL. STF. RE 574706 (TEMA 69) C/C RE 592616/RS (TEMA 118). SOBRESTAMENTO. DESNECESSIDADE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS. 2 – O STF, ao apreciar o Recurso Extraordinário RE 592616/RS decidiu: EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO AO PIS E DA COFINS. CONCEITO DE FATURAMENTO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL (Tribunal Pleno, Rel Min. CELSO DE MELO, pub. 20/10/2008) e, ao apreciar o Recurso Extraordinário 574.706 pela sistemática da repercussão geral, firmou a tese de que o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS. (RE 574706 RG, Rel.(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 15/03/2017). (…) 3 – 3. O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) imposto retido pelo contribuinte por obrigação legal, não é receita da empresa, sendo valor de titularidade do fisco municipal. Ainda que se leve em conta o conceito amplo de `todas as receitas obtidas pela pessoa jurídica, não pode ser considerado faturamento, e, portanto, não pode ser incluído na base de cálculo de PIS ou COFINS (AC 1007677-36.2019.4.01.4300, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR MACHADO, TRF1 – SÉTIMA TURMA, PJe 08/03/2021 PAG.) 4 – Estende-se ao ISS/ISSQN a mesma fundamentação que autoriza a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS (STF/TEMA-69). 5 – Embora haja reconhecimento da repercussão geral do tema, é desnecessário aguardar o desfecho da mesma para se apreciar a matéria, conforme se extrai do voto proferido no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 825/DF, da Relatoria do Ministro Presidente do STF (STA 825 AgR), Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 22/02/2019: Quanto à alegação de que há repercussão geral da matéria, a exigir o sobrestamento do feito originário, registro que, nos autos do processo paradigma (RE-RG 808.202), indeferi pleito de suspensão dos processos a ele relacionados, ao fundamento de que o reconhecimento da repercussão geral não implica necessariamente (…) paralisação instantânea e inevitável de todas as ações a versarem sobre a mesma temática do processo piloto. Não havendo, portanto, determinação no sentido pretendido, desnecessário é aguardar o desfecho da repercussão geral para se apreciar a matéria submetida à presente suspensão. (…)
(TRF-1 – AC: 10054994920204013502, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS, Data de Julgamento: 23/06/2022, 7ª Turma, Data de Publicação: PJe 23/06/2022 PAG PJe 23/06/2022 PAG).
Tema 118 STF
A questão da constitucionalidade da inclusão do ISS na base de cálculo do PIS da COFINS está submetida à sistemática da Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal, em controvérsia representada pelo Recurso Extraordinário nº 592.616 (Tema 118).
Assim, em que pese o Supremo Tribunal Federal já ter firmado seu posicionamento em relação à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS quando do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 574.706/PR (Tema 69), uma solução divergente pode se dar para o caso envolvendo a exclusão do ISS, que será apreciada quando do julgamento do supracitado Tema 118.
Qual a situação do julgamento?
O Supremo Tribunal Federal chegou a iniciar de forma virtual o julgamento do Recurso Extraordinário nº 592.616 (Tema 118), relatado pelo Ministro Celso de Mello. Entretanto, o julgamento foi interrompido pelo pedido de destaque realizado pelo Ministro Luiz Fux, que retirou o caso do plenário virtual e determinou que o julgamento deverá ocorrer de forma presencial.
Com tal decisão, os votos até então proferidos foram cancelados e o julgamento presencial ainda não tem data para ocorrer. Até então, haviam proferido votos favoráveis à exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS os Ministros Celso de Mello, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Os ministros Dias Toffoli, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso votaram pela permanência do ISS na base de cálculo das contribuições.
Importante destacar que, como o julgamento será reiniciado, os Ministros que já haviam votado poderão proferir votos em diferentes sentidos. Ademais, a composição da Suprema Corte já não é a mesma atualmente após a aposentadoria dos Ministros Marco Aurélio Melo e Celso de Mello e com a entrada de André Mendonça e Nunes Marques.
Deve haver modulação da decisão?
Apesar do impacto econômico da exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS ser consideravelmente inferior ao da exclusão do ICMS da base de cálculo das referidas contribuições, espera-se que ocorra a modulação dos efeitos da decisão do Recurso Extraordinário nº 592.616 (Tema 118), caso seja favorável aos contribuintes.
A uma, porque apesar de menor, o impacto econômico também é relevante para os cofres da União. A duas, porque o Supremo Tribunal Federal tem recebido com bons olhos os pedidos de modulação de efeitos realizados pelo Fisco Federal.
O entendimento vem sendo aplicado pela Justiça?
Mesmo na pendência do julgamento do Recurso Extraordinário nº 592.616 (Tema 118), nos Tribunais Regionais Federais têm se firmado um entendimento no sentido de que o mesmo raciocínio utilizado para excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS se aplica para a exclusão do ISS, não havendo necessidade de suspender os processos que tratam do tema em questão para aguardar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
Quem será beneficiado?
Todas as empresas prestadoras de serviços que sofrem a incidência do ISS poderão ser beneficiadas, independentemente de apurarem o PIS e a COFINS pelo regime cumulativo ou não cumulativo, ou optante pelo lucro real ou presumido.
Entretanto, para se beneficiar de eventual decisão judicial favorável, a empresa precisa ajuizar ação judicial própria.
Como e quando solicitar a exclusão?
Para pleitear a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS o contribuinte deve procurar um advogado para ajuizar um Mandado de Segurança ou uma Ação Ordinária, requerendo efeitos futuros para deixar de incluir o tributo municipal na base de cálculo das Contribuições Federais, bem como a restituição dos valores indevidamente recolhidos durante os 05 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento da ação, devidamente corrigidos pela taxa Selic.
Cabendo salientar que não é recomendável realizar a compensação administrativa desacompanhada de decisão judicial favorável transitada em julgado.
Conclusão
O momento é muito oportuno para que as empresas que ainda não ajuizaram ação judicial pleiteando a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS tomem tal providência.
O ajuizamento da ação judicial neste momento poderá resguardar a empresa de eventuais efeitos negativos decorrentes de uma modulação de efeitos pelo Supremo Tribunal Federal, caso acolha a tese dos contribuintes com ressalvas.
Consequentemente, maiores são as chances de se obter o direito à restituição dos valores recolhidos indevidamente durante os 05 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento da ação.
Se a sua empresa for contribuinte do tributo municipal e das referidas contribuições federais e não sabe o que fazer, você pode entrar em contato conosco!
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Referências
1“A Problemática das Receitas de Terceiros perante as Bases de Cálculo da Contribuição ao PIS e da CONFINS”, Direito Tributário Atual nº 17, coordenadores: Alcides Jorge Costa, Luís Eduardo Schoueri e Paulo Celso Bergsrom Bonilha, Dialética, São Paulo, pp.93/94
2ATALIBA, Geraldo. Revista Dialética de Direito Tributário – RDDT n.º 70, p. 161.
3BARRETO, Aires. “A Nova Cofins: Primeiros Apontamentos” in Revista Dialética de Direito Tributário – RDDT nº 103, p. 7 et seq.
Mestre em Direito das Relações Econômicas e Sociais pela Faculdade de Direito Milton Campos com ênfase em Direito Tributário. Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/MG (triênio 2016/2018). Professor Universitário e de Pós-Graduação.