Se tornar sócio de uma empresa costuma ser uma decisão importante, normalmente tem origem na vontade de empreender ou mesmo resulta de convite decorrente do reconhecimento vindo dos demais sócios, ou também pode surgir no contexto de uma empresa  familiar 

Acontece que muitas vezes o sócio se envolve mais com o sentimento de novidade, liberdade e conquista e não assimila os riscos envolvidos e nem examina as alternativas disponíveis para evitar riscos desnecessários. 

Por isso que nas sociedades limitadas, como o próprio nome sugere, há de fato uma limitação da responsabilidade dos sócios ao responderem por obrigações da empresa. Contudo, tal regra possui muitas exceções que podem levar a desconsideração da personalidade jurídica e que pegam de surpresa muitos empresários.

Pensando neste contexto, preparamos um artigo para que você compreenda melhor os possíveis riscos de empreender e, então, tomar os cuidados necessários.

Por que as pessoas se tornam sócias?

É possível que você já tenha se deparado com o termo affectio societatis, de uso corriqueiro pelos advogados e juízes. O que significa isso afinal?

Apesar de ninguém falar em latim mais, alguns termos ainda são utilizados com muita frequência e precisão, sendo este o caso da mencionada expressão.

Respondendo à pergunta do tópico, o que une os sócios é a confiança mútua e interesse de congregar esforços para obtenção de um bem comum, sendo justamente este o conceito que a expressão affectio societatis resume.

Acontece que cada sociedade e pessoa possui suas particularidades, por exemplo, um sócio pode contribuir mais com o trabalho enquanto outro, comumente chamado de sócio de capital, contribui preponderantemente, ou até mesmo exclusivamente, com o capital. 

Há ainda sócios administradores que participam do dia a dia da empresa e sócios que sequer exercem qualquer função perante a empresa. Além disso, também existem os sócios com participação ínfima e sócios com participação expressiva.

Embora cada sócio possua sua particularidade, todos possuem algo em comum, que é a assunção de risco, embora muitos não tenham consciência disso ou não tenham a adequada dimensão disso. Alguns, por exemplo, acreditam que, por terem pouca participação societária, quando muito, assumiriam essa proporção de eventual passivo, contudo, na prática um sócio minoritário que possui 0,1% pode vir a responder pela integralidade da dívida.

Essa compreensão é de extrema importância, todavia, como o direito muitas vezes não é claro, ou comporta tantas exceções, pode ficar até difícil saber o que de fato é regra e o que é exceção. Assim, os empresários acabam não tendo a adequada compreensão dos riscos que estão assumindo, especialmente quando falamos de casos em que há a desconsideração da personalidade jurídica. 

O surgimento das sociedades limitadas

O direito parte da premissa de que as pessoas jurídicas/empresas são importantes atores da sociedade e que possuem importante função para o desenvolvimento econômico, de modo que devem ser estimuladas. 

Em razão disso, elas possuem a chamada “personalidade jurídica”, de modo que são reconhecidas como entidades distintas daqueles que a constituíram (os sócios) com direitos e deveres próprios, inclusive patrimônio próprio e distinto daqueles que a fundaram. Contudo, devemos lembrar que esse instituto não é irrestrito, ou seja, pode acontecer de haver a desconsideração da personalidade jurídica.

Sobre a personalidade jurídica, Caio Mario da Silva Pereira (2018) ensina que a complexidade da vida civil e, consequentemente, a necessidade de conjugar esforços para se alcançar determinado interesse comum, fizeram com que o direito não se limitasse às pessoas naturais (pessoas físicas) o papel de atores do mundo jurídico. Assim, o direito acabou por atribuir personalidade jurídica a certos agrupamentos de pessoas, reconhecendo a possibilidade desses adquirirem direitos e obrigações à semelhança das pessoas naturais.

A personalidade jurídica das sociedades personificadas, com consequente autonomia patrimonial, já configurava um importante avanço no Direito Societário. Todavia, a limitação da responsabilidade dos sócios não decorre, pura e simplesmente, da autonomia patrimonial da sociedade empresária, uma vez que os sócios poderiam vir a responder, ilimitadamente, caso a sociedade não venha a ter recursos suficientes para honrar com seus compromissos financeiros. Assim, em um segundo momento, além da autonomia patrimonial, surgiu também a limitação da responsabilidade dos sócios.

Melhor explicando, a partir do momento que a sociedade passa a ter patrimônio próprio, inclusive decorrente dos aportes iniciais realizados pelos sócios, somado ao legítimo interesse dos investidores e sócios de terem seu patrimônio pessoal resguardado em caso de insucesso da atividade empregada, passou-se a falar também na necessidade de haver a responsabilidade limitada dos sócios. 

Caso assim não o fosse, o próprio desenvolvimento econômico seria prejudicado, uma vez que haveria natural tendência de os investidores participarem tão somente em empreendimentos pequenos e pouco arriscados, sobretudo aqueles que já tiverem consolidado patrimônio pessoal expressivo ou que forem mais avessos a riscos.

Assim, cada vez mais as empresas com responsabilidade limitada dos sócios foram ganhando espaço no ordenamento jurídico pelo mundo e, no Brasil, não foi diferente.

Nesse sentido o art. 1.052 do Código Civil dispõe que: 

“Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.” 

Ou seja, o sócio somente responde pelo valor de suas quotas ou, quando, muito pelas quotas dos demais sócios que não realizaram o aporte. Deste modo , se por acaso uma empresa for responsabilizada por um débito não honrado de R$1.000.000,00, o artigo estabelece que este débito não poderá ser cobrado dos sócios.

De maneira sintética, a ideia é que os sócios só têm a obrigação de integralizar o valor do capital social, fazendo com que o risco e responsabilidade fiquem limitadas ao valor dos aportes. 

Essa é a teoria e a regra geral, entretanto, na prática é muito comum os sócios assumirem a condição de garantidores (fiadores e avalistas) ou serem efetivamente responsabilizados por débito da empresa, quando ocorre a desconsideração da personalidade jurídica, e sobre isso falaremos no próximo tópico.

A desconsideração da personalidade jurídica da empresa para atingir o patrimônio dos sócios

Apesar de a limitação da responsabilidade dos sócios ter sido um importante marco para se estimular o empreendedorismo, tal instituto também pode se mostrar propício para perpetuação de abusos por parte dos sócios em detrimento dos credores. Isso ocorre pois muitos institutos válidos são desvirtuados e utilizados para operar fraudes e outros tipos de enganação, muitas vezes utilizando pessoa jurídica para acobertar vários tipos de práticas abusivas e ilícitas.

Assim, após ser criado o instituto da personalidade jurídica, mostrou-se necessário criar também critérios para avaliar se o instituto estava sendo utilizado em termos razoáveis, sem abusos. 

Dessa maneira, foi criado o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que nada mais é do que a possibilidade de se levantar o “véu” da personalidade jurídica para se atingir o patrimônio de seus sócios (e vice-versa). 

O instituto é tratado pelo artigo 50 do Código Civil:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso

Ocorre que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, embora indispensável para o adequado exercício da liberdade, passou a ter sua utilização muito alargada, sendo extremamente difícil afirmar se a responsabilidade limitada seria regra ou exceção. 

Nessa linha de raciocínio, Bruno Salama (2014) defende que, embora não se tenha pura e simplesmente abolido a responsabilidade limitada de sócios no Brasil, na prática, caminhou-se para um regime muito próximo disso. Eis que diversos ramos do Direito possuem disposições que colocam os sócios na condição de garantidores do débito sem que estes tenham incorrido em alguma ilegalidade.

O risco dos sócios se tornarem garantidores das dívidas das empresas nas diversas áreas do direito

Diversos ramos do Direito acabaram por alterar substancialmente a lógica da responsabilidade limitada, abusando da desconsideração da personalidade jurídica. O ramo trabalhista é um dos mais emblemáticos, notadamente em respeito ao chamado princípio da alteridade, que orienta que não se pode transferir ao trabalhador os riscos do negócio.

Embora a suavização da responsabilidade subsidiária limitada dos sócios se mostre presente em outros ramos, é no âmbito trabalhista que se constata a sua faceta mais avassaladora, sendo comum não só os sócios e administradores virem a responder por débitos, mas mesmo ex-sócios e ex-administradores. 

Os meios expropriatórios e constritivos igualmente são utilizados de maneira antecipada, sem possibilidade de se exercitar o contraditório e ampla defesa, e muitas das vezes em sócios que sequer possuem cargos de gerência.

O Código de Defesa do Consumidor também adotou, tal qual o Direito Trabalhista, a denominada teoria menor ou teoria objetiva da desconsideração da personalidade jurídica, que prescreve que sempre que a personalidade jurídica da empresa for um obstáculo à indenização, ela poderá ser desconsiderada para se atingir o patrimônio dos sócios.

Na mesma linha, adotando-se a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, no âmbito do Direito Ambiental, o art. 4º, da Lei nº 9.605/1998, dispõe que:

“poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”.

Ainda, como não bastasse o sócio se ver responsável pelo débito da empresa, a justiça não costuma levar em consideração a representatividade da participação societária. 

Ou seja, se você possui somente 1% de participação societária, não se surpreenda se receber uma penhora no valor total da dívida. Isso inclusive é muito comum em âmbito trabalhista, cabendo ao sócio minoritário dividir tais ônus com os demais sócios, mas em um primeiro momento pode ser ele a sofrer com as consequências

Outros ramos, como o Direito Tributário, adotaram a responsabilidade ilimitada quase que como regra, mas de maneira velada, por terem sido criados critérios que colocam os contribuintes em grande desvantagem. 

É o caso, por exemplo, da desconsideração da personalidade jurídica para a responsabilização dos sócios e administradores por débitos tributários da empresa quando da dissolução irregular ou mesmo quando da dissolução regular. 

Nesse sentido, de colocar os sócios na condição de verdadeiros garantidores pessoais, cumpre fazer menção ao art. 9º da Lei Complementar nº 147/2014 que altera a Lei Complementar 123/2006, que prescreve que, embora a baixa da sociedade não esteja condicionada à regularidade tributária, haverá “responsabilidade solidária dos sócios e dos administradores no período da ocorrência dos respectivos fatos geradores”

Ou seja, no âmbito das micro e pequenas empresas sujeitas à Lei nº 123/2006, em relação aos débitos tributários, o contribuinte acaba por ser responsabilizado por estes, seja pela sociedade não se encerrar de maneira regular, seja por sua baixa regular estar condicionada à assunção, pelos sócios, dos débitos tributários.

Já no Direito Civil, ramo que parte da premissa de que há um maior equilíbrio entre as partes, de fato se verifica a chamada responsabilidade limitada dos sócios, cabendo àquele que pretende a desconsideração da personalidade jurídica provar a ocorrência do desvio de finalidade social ou confusão patrimonial nos termos do art. 50 do Código Civil.

Alternativas para reduzir o risco dos sócios

As sociedades de responsabilidade limitada no Brasil sugerem uma proteção que não se verifica na prática. Assim, para se evitar surpresas é preciso que os sócios se mantenham atentos na administração e honrem com as inúmeras obrigações trabalhistas, tributárias, financeiras, contratuais, dentre as várias outras que tornam o empreendedorismo no Brasil um desafio.

Embora o sócio esteja sim muito exposto aos riscos advindos da empresa, nosso ordenamento jurídico oferece alternativas muito interessantes, sobretudo para proteger o chamado sócio investidor, que é aquele que normalmente aporta um recurso importante, mas que não participa ativamente da administração.

Dentre as alternativas para o sócio se envolver com determinada atividade, mas sem assumir os riscos decorrentes das obrigações assumidas pela empresa, podemos citar, por exemplo: 

  • a figura do investidor anjo, 
  • a sociedade em conta de participação 
  • e também o chamado mútuo conversível.  

Porém, trataremos sobre essas figuras jurídicas posteriormente em artigos específicos para cada.

Conclusão

Conforme visto, a condição de sócio, mesmo em uma sociedade limitada, oferece riscos importantes aos empreendedores, sobretudo àqueles que não se acautelam por meio de uma assessoria adequada. 

Há casos de desconsideração da personalidade jurídica que pegam os sócios totalmente de surpresa e, mesmo sem nenhuma irregularidade, os leva a ter que satisfazer dívidas da empresa com seu patrimônio pessoal.

Contudo, o direito ainda oferece estruturas e formatações que oferecem um alto grau de proteção. Por isso, contar com uma assessoria especializada pode fazer toda a diferença.

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Marcos Rabello - Rabello & Lima Sociedade de Advogados
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Mestre em Instituições Sociais, Direito e Democracia pela FUMEC na linha de pesquisa de Direito Privado: Autonomia Privada, Regulação e Estratégia Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos e Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FEAD. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos.

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