Ilegalidade da Incidência do ISSQN: O presente artigo analisa a ilegalidade da incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN sobre a denominada Taxa de Administração de titularidade das cooperativas. Para tanto, serão explorados os conceitos do ato cooperativo, da taxa de administração das cooperativas e o campo de incidência do ISSQN.

O que é o cooperativismo

O cooperativismo no Brasil tem a importante função de unir esforços de trabalhadores e produtores de diversos setores da economia para, em conjunto, buscar melhores oportunidades de trabalho e comércio.

Quando este esforço é produzido por prestadores de serviços, temos a formação das chamadas cooperativas de trabalho, ao passo que, quando temos a reunião de esforços por parte de produtores e fornecedores de mercadorias, temos as chamadas cooperativas de produção. Existem, ainda, diversos tipos específicos de cooperativas no Brasil, como, por exemplo, as cooperativas de crédito, educacionais e habitacionais.

A Lei n.° 5.764/1971, que instituiu o regime jurídico das sociedades cooperativas, assim as conceituou:

Art. 3° Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.

O que é a Taxa de Administração das Cooperativas

As sociedades cooperativas captam junto ao mercado demandas de prestação de serviços e de fornecimentos de mercadorias a serem honrados de forma independente e autônoma por seus associados, também denominados cooperados. Após o faturamento pela Cooperativa dos valores relativos aos serviços ou mercadorias fornecidos, esta repassa aos cooperados o percentual que lhes é devido e retem a chamada taxa de administração.

Assim, a chamada taxa de administração consiste na diferença entre os valores recebidos pela cooperativa em razão dos serviços prestados ou produtos fornecidos por seus cooperados e o valor que é repassado a estes.

As cooperativas são custeadas justamente por esta chamada taxa de administração, que não tem intuito lucrativo, mas sim a função precípua de ressarcir os custos administrativos da cooperativa.

ISSQN e prestação de serviços

Quando há uma prestação de serviço, é natural que ocorra a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN sobre o valor total da Nota Fiscal, desde que o serviço esteja listado na Lei Complementar n° 116/2003. No Município de Belo Horizonte, especificamente em razão de um Regime Especial de Tributação aplicável as Cooperativas, o ISSQN não incide sobre aqueles valores que são repassados por estas aos Cooperados/Associados, a saber:

Lei n.° 8.725/2003:

Art. 10 – Não se inclui na base de cálculo do ISSQN devido pelas sociedades organizadas sob a forma de cooperativa, nos termos da legislação específica, o valor recebido de terceiros e repassado a seus cooperados e a credenciados para a prática de ato cooperativo auxiliar, a título de remuneração pela prestação dos serviços. (Redação dada pela Lei nº 11.079/2017)

Em que pese a não incidência do ISSQN sobre aqueles valores repassados aos cooperados, a incidência do imposto municipal sobre a chamada taxa de administração (valor que pertence à Cooperativa) ocorre normalmente no referido Município, tendo em vista que o ISSQN incide no momento do faturamento, sobre o valor total da NF (que engloba o valor total dos serviços e o valor que posteriormente é retido dos cooperados, quando do repasse). Entretanto, entendemos que essa incidência é ilegal.

Ilegalidade da Incidência do ISSQN: Impossibilidade de incidência do ISSQN sobre a Taxa de Administração das Cooperativas

Assim como uma empresa, toda cooperativa tem os seus objetivos sociais. No caso das cooperativas de trabalho, o objetivo das cooperativas, em regra, é a captação de serviços profissionais de algum setor específico da economia junto aos terceiros tomadores de serviços no mercado para distribuição destes entre seus cooperados que, por sua vez, irão executá-los. Neste sentido, leciona HELENO TAVEIRA TORRES:

“O que se dever ter em mente é que os atos cooperativos típicos não são intuitu personae; não é porque a cooperativa está no polo da relação que os torna atos típicos, mas sim porque o ato que realiza, estão relacionados com a consecução dos seus objetivos sociais institucionais. Quando se está diante de uma cooperativa de trabalho, o tipo de serviço prestado precisa ficar bem evidenciado. Isso se vê̂ claramente nas chamadas cooperativas de prestação de serviços profissionais, as quais respondem pela captação e pela contratação impessoal dos serviços, para ulterior distribuição entre os cooperados, que os executarão de forma individual e autônoma, de modo a garantir oportunidade de trabalho e remunerabilidade a todos.” (Regime Constitucional do Cooperativismo e a Exigência de Contribuições Previdenciárias sobre as Cooperativas de Trabalho. RDIT, 1/101, jun/04).

Esta sistemática de captação de serviços pela Cooperativa no mercado para prestação por seus associados, quando em consonância com o objetivo social da Cooperativa, configura o chamado ato cooperativo típico e, como tal, não se cofunde com operação mercantil nem contrato de compra e venda, conforme definido pela Lei n.° 5.764/1971.

“Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais.

Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.” 

Temos então que esta sinergia entre cooperativa, que capta o serviço, e os associados/cooperados, que prestam os serviços de forma independente e autônoma, não configura uma operação de mercado e, consequentemente, não deve sofrer a incidência do ISSQN. Com efeito, os valores retidos pelas cooperativas de trabalho em decorrência dos serviços prestados por meio dela por seus cooperados (taxa de administração) compõem o ato cooperativo e, por serem parte deste, não se confundem com serviço, restando fora do campo de incidência do ISSQN.

O entendimento aqui defendido tem ganhado força na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que vai se consolidando pela não incidência do ISSQN sobre a taxa de administração cobrada pela cooperativa de seus associados. Confira-se os exemplos abaixo:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. ISSQN. BASE DE CÁLCULO. COOPERATIVA DE SERVIÇOS MÉDICOS. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. ATO TIPICAMENTE COOPERATIVO. INTRIBUTABILIDADE PELO IMPOSTO DE SERVIÇOS. PEDIDO PROCEDENTE. SENTENÇA MANTIDA. 

– Os atos praticados pela cooperativa em favor de seus associados configuram-se atos cooperativos e, não se tratando de serviços, não podem ser tributados pelo ISSQN. 
– Comprovado, na espécie, que os valores recebidos pela Cooperativa dizem respeito aos serviços médicos prestados por seus cooperados, e não a serviços prestados por ela, em nome próprio, a terceiros, e que a diferença do que se deduz a título de repasse constitui taxa de administração, não se admite a incidência do imposto sobre esta parcela
.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.20.463398-6/001

, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/09/2020, publicação da súmula em 25/09/2020)


EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL- DIREITO TRIBUTÁRIO – ISSQN -COOPERATIVA SERVIÇO MÉDICO- TAXA DE ADMINISTRAÇÃO- ATO COOPERATIVO TÍPICO- NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO- HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS- FIXAÇÃO ART.85,§2º DO CPC/15- OMISSÃO NA SENTENÇA. 1. Considera-se indevida a incidência de ISSQN sobre a taxa de administração por não representar prestação de serviços a terceiros mas a própria Cooperativa. 2.Diante da omissão na sentença e por se tratar de matéria ordem pública deve ser fixada a verba honorária sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art.85,2º do CPC/15.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0261.15.002212-5/001, Relator(a): Des.(a) Baeta Neves , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/04/2019, publicação da súmula em 24/04/2019)


EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – APELAÇÃO – COOPERATIVA DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE – ISSQN – TAXA DE ADMINISTRAÇÃO – NÃO-INCIDÊNCIA 
– Não incide ISSQN sobre a taxa de administração, que se presta ao custeio da própria Cooperativa médica, e é utilizada para os seus gastos operacionais.  (TJMG –  Ap Cível/Reex Necessário  1.0024.11.018198-9/001, Relator(a): Des.(a) Alice Birchal , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/07/2018, publicação da súmula em 09/07/2018)

Conclusão

Diante dos fundamentos jurídicos expostos e da jurisprudência que vem se consolidando, é aconselhável que aquelas Cooperativas que estejam sofrendo a Ilegalidade da Incidência do ISSQN sobre a Taxa de Administração ajuízem medida judicial pleiteando a interrupção de tal incidência e a restituição dos valores indevidamente recolhidos nos últimos 5 (cinco) anos.

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Filipe Lima - Rabello & Lima Sociedade de Advogados
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Mestre em Direito das Relações Econômicas e Sociais pela Faculdade de Direito Milton Campos com ênfase em Direito Tributário. Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/MG (triênio 2016/2018). Professor Universitário e de Pós-Graduação.

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