Ao constatar irregularidades na apuração e recolhimento de tributos por empresas e pessoas físicas, a Receita Federal, Estadual ou Municipal efetuará a lavratura de auto de infração por meio do qual exigirá o pagamento do tributo não recolhido acrescido de multas e juros.
Muitas vezes o contribuinte não sabe o que fazer diante de uma fiscalização e de um auto de infração. Este artigo tem como finalidade explicar e alertar sobre a importância do processo administrativo tributário.
Sobre procedimentos de fiscalização, auto de infração e possíveis cobranças indevidas
A complexidade do sistema tributário brasileiro é de conhecimento público e notório, sendo certo que grande parte das complicações deste sistema decorrem da extensa legislação e de suas constantes alterações.
A consequência prática disso é o cometimento de equívocos pelos contribuintes no cumprimento de obrigações tributárias, principais e acessórias. Não são raras as hipóteses em que as empresas passam anos recolhendo tributos a maior, a menor ou, ainda, cometendo erros na realização das declarações junto ao fisco (obrigações acessórias).
Referidos desacertos acabam vindo à tona em procedimentos de fiscalização, resultando na lavratura de autos de infração com a cobrança de tributos não recolhidos, ou recolhidos a menor, bem como na incidência de multas elevadas em decorrência do não recolhimento da exação e descumprimento de obrigações acessórias. Este é o momento em que os erros do contribuinte começam a se tornar prejuízos financeiros.
Muitas vezes por falta de conhecimento e/ou tempo, empresários atendem a fiscalização de forma leviana e superficial, não dando a devida atenção à qualidade das informações fornecidas ao fiscal e ignorando a importância de contextualizar devidamente suas operações, e todas as etapas e tratamento tributário a elas conferido. Tal conduta dificulta o trabalho da fiscalização e abre espaço para cobranças tributárias indevidas.
Constatadas irregularidades, ou meros indícios de tributos não recolhidos, ou recolhidos a menor, o Fiscal lavra o auto de infração (documento produzido pela autoridade pública por meio do qual são lançados e cobrados os tributos e multas), muitas vezes fundamentado em presunções, eis que, em diversas hipóteses, as legislações dos entes federados autorizam tal prática.
Entretanto, não são raras as vezes em que tais presunções estão equivocadas por terem sido feitas com base em informações prestadas pelo contribuinte de forma pouco esclarecedoras ou, ainda, com base em informações do passado que não retratam a realidade do período objeto da fiscalização, ou não se amoldam aos fatos objeto da ação fiscal.
Como funciona o Processo Tributário Administrativo
O Processo Administrativo Tributário – PAT, também chamado na prática de Processo Tributário Administrativo – PTA ou Processo Administrativo Fiscal – PAF, segundo a melhor doutrina, teve sua idealização iniciada em 1932 por meio da publicação de estudo por Francesco Carnelutti, que já trazia a percepção sobre as peculiaridades acerca da obrigação tributária. Conforme pode-se constatar da citação abaixo, este é o momento em que a arbitrariedade dos entes tributantes passou a ser mitigada, iniciando-se a criação de mecanismos de garantias aos jurisdicionados contra abusividades estatais:
“Por séculos o Estado arrogou-se juiz-de-sua-própria-causa em sério obstáculo ao desenvolvimento do Direito Processual Tributário como disciplina jurídica.
(…) o estudo e a sistematização do Processo Tributário devem ter como premissas algumas noções essenciais, que moldem com a máxima precisão os contornos atuais da relação jurídica tributária e sua atuação, sob o influxo da concepção atual de Estado de Direito e dos princípios jurídicos de justiça que alicercem o sistema positivo.
Entre estes postulados de justiça figura com destaque o devido processo legal que em sua concepção moderna (substantive and procedural due process) cristaliza o estágio de evolução do Estado de Direito e não se compagina, de modo algum, com a ideia de “Estado-juiz-de-sua-própria-causa” fazendo nascer uma nova compreensão sobre os destinos da concepção tradicional de Direito Público em sua secular oposição teórica ao Direito Privado.”
(MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro Administrativo e Judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. Pg. 19)
Assim como o Direito Penal, o Direito Tributário é um ramo peculiar, que interfere diretamente em direito constitucionalmente protegido dos cidadãos.
Enquanto o Direito Penal cuida do direito à liberdade, o Direito Tributário cuida do direito de propriedade e, também por isso, é dotado de diversos princípios e garantias próprias, que deverão obrigatoriamente ser observados em um processo administrativo. Processo administrativo este que é reconhecido constitucionalmente e que deve observância ao contraditório e à ampla defesa,como mostra o art. 5° da constituição, inciso LIV e LV:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Pode-se afirmar então, que o processo tributário como um todo consiste no conjunto de atos administrativos e judiciais, com o objetivo de apurar a obrigação tributária ou o descumprimento desta, visando dirimir controvérsias entre Fisco e Contribuintes. Este “processo tributário” é dividido em duas modalidades: processo administrativo tributário e processo judicial.
Nos tempos atuais, o processo administrativo tributário permite ao contribuinte questionar irregularidades na cobrança de multas e tributos sem ter que recorrer ao poder judiciário. Cada ente federado (União, Estados e Municípios) possui seu próprio órgão de julgamento, lhes cabendo julgar as cobranças fiscais relativas àquele próprio ente.
Em que pese parecer retrógrado e abusivo que o próprio ente tributante julgue suas cobranças fiscais, os tribunais administrativos de julgamento (Federal, Estadual ou Municipal) costumam ser órgãos paritários. Isso significa que as turmas de julgadores são compostas por conselheiros indicados por órgãos oriundos da iniciativa privada (representantes dos contribuintes) e conselheiros indicados pelo fisco (representantes do fisco), permitindo a criação de um ambiente de julgamento técnico e imparcial.
Por julgarem exclusivamente matérias tributárias e serem compostos por turmas formadas por especialistas em Direito Tributário, a qualidade e profundidade das discussões travadas em âmbito administrativo costumam ser tecnicamente superiores ao próprio julgamento pelo poder judiciário, permitindo ao contribuinte discutir em elevado nível técnico e afastar cobranças tributárias abusivas e/ou indevidas.
Importante destacar que, em caso de vitória do contribuinte em âmbito administrativo, não mais caberá ao ente federado tributante a cobrança do tributo ou multa em discussão no poder judiciário.
Lado outro, caso o contribuinte não tenha êxito na discussão em âmbito administrativo, ainda lhe caberá discutir a cobrança fiscal no poder judiciário, sendo deste órgão a palavra final acerca da legalidade ou não da cobrança em discussão.
O Processo Administrativo Tributário na prática e a Execução Fiscal
Não são raras as vezes em que o contribuinte, por desconhecimento ou por não acreditar na figura do processo administrativo, sequer apresenta defesa (Impugnação ao Auto de Infração) ou, ainda, apresenta defesa superficial, descomprometida com o enfrentamento técnico e pormenorizado das eventuais ilegalidades e equívocos cometidos pela fiscalização na autuação.
Importante destacar que com a apresentação de defesa administrativa a exigibilidade do crédito fica suspensa, não podendo o contribuinte sofrer com a cobrança fiscal enquanto tramitar o processo administrativo (art. 151, inciso III do Código Tributário Nacional).
Entretanto, sem a apresentação de uma defesa robusta pelo contribuinte, o resultado, na maioria das vezes, é manutenção da atuação pelos julgadores (Conselhos de Contribuintes) e, ato contínuo, a inscrição do débito tributário em dívida ativa e o posterior ajuizamento de Execução Fiscal pelo ente tributante, marcando o início da fase judicial da cobrança pelo Fisco.
Com a inscrição do débito em dívida ativa e o ajuizamento da Execução Fiscal, o contribuinte passa a correr o risco de sofrer constrições patrimoniais a qualquer momento. Isto é, após o ajuizamento da Execução Fiscal e citação do contribuinte (Executado) este tem o prazo de somente 05 (cinco) dias para efetuar o pagamento do débito, sob pena de sofrer ações constritivas (penhoras, indisponibilidades e etc.) sobre o seu patrimônio.
A partir deste momento, o contribuinte somente poderá arcar com a cobrança fiscal ou se defender perante o poder judiciário, utilizando-se dos instrumentos jurídicos cabíveis para tentar afastar a cobrança fiscal que, em regra, são os Embargos à Execução, Ação Anulatória e Exceção de Pré-Executividade (cabendo em raras hipóteses, também o Mandado de Segurança).
O problema é que a Certidão de Dívida Ativa – CDA (título executivo extrajudicial), que é lavrada após o processo administrativo, tem presunção de certeza e liquidez (art. 204 do Código Tributário Nacional). Em razão disso, fica mais difícil para o contribuinte desconstituir a cobrança fiscal no processo judicial, seja em razão das presunções de que goza a CDA, seja pela dificuldade de se obter a suspensão da exigibilidade do crédito tributário sem o oferecimento de uma garantia no valor integral do débito. Essa dificuldade em afastar tais presunções e suspender a exigência fiscal, muitas vezes acaba induzindo o contribuinte ao pagamento ou parcelamento do débito, sem discutir sua legalidade.
Isso porque, em que pese a decisão liminar ou tutela antecipada em ações judiciais serem hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, incisos VI e I do Código Tributário Nacional), na prática o judiciário demonstra um alto grau de resistência em conceder uma decisão suspendendo a exigibilidade do crédito tributário objeto de execução fiscal, apoiando-se na presunção de certeza e liquidez da CDA. Ademais, a garantia é pressuposto para oposição de embargos à execução (art. 16 da LEF).
Diante disso, na prática, o que acontece na maioria das vezes, é que o contribuinte, após não ter apresentado uma defesa robusta no âmbito administrativo (ou sequer ter apresentado esta), é surpreendido com a Execução Fiscal, lhe restando o caminho do pagamento ou parcelamento do débito ou a sua discussão judicial mediante apresentação de garantia, o que acaba sendo complexo, notadamente em se tratando de contribuintes de menor porte econômico, na medida em que os principais tipos de garantia aceitos pela Fazenda Pública e pelo Judiciário costumam sequer ser disponibilizadas à estes contribuintes.
O Seguro Garantia, por exemplo, só costuma ser disponibilizado pelas seguradoras para empresas com receita anual e patrimônio líquido superiores à R$ 50 milhões, enquanto a Carta de Fiança somente costuma ser ofertada pelos bancos mediante garantia de valor equivalente em dinheiro ou imóvel. O dinheiro (espécie de garantia mais aceita), por sua vez, costuma ser escasso nos caixas das pequenas e médias empresas.
Sem a garantia, em regra, não há a suspensão das ações de cobrança para satisfação do crédito tributário, razão pela qual atos constritivos podem ser praticados pelo ente tributante (Exequente). Para o ajuizamento de Embargos à Execução Fiscal, por exemplo, a regra é de que somente será admitido fazê-lo com a apresentação de garantia no valor do crédito tributário em discussão.
Já na ação anulatória de débito fiscal, em que pese não ocorrer tal exigência para seu ajuizamento, o que tem acontecido na prática é a exigência de apresentação de garantia como requisito indispensável para que ocorra a suspensão das possíveis medidas constritivas, mesmo diante de fortes fundamentos jurídicos ensejadores da concessão de medida liminar e/ou tutela antecipada. Consequentemente, sem a apresentação da garantia, penhoras poderão ocorrer no curso da ação em razão da não suspensão da exigibilidade da cobrança.
Conclusão
Demonstrada a relevância do processo tributário administrativo, podemos afirmar que diversas são as cobranças tributárias indevidas que poderiam ser afastadas por meio da apresentação de defesa administrativa robusta ou, ainda que submetidas ao crivo do poder judiciário, teriam maiores chances de extinção ao serem submetidas ao judiciário por meio de uma ação judicial melhor instruída por um processo administrativo prévio, em que os pontos técnicos da tributação foram levantados e aprofundados pelos contribuintes e julgadores administrativos.
Assim, é importante que o contribuinte tenha ciência da importância da assessoria jurídica já no momento em que se inicia um processo fiscalizatório, não deixando para questionar eventual cobrança fiscal que entenda indevida somente após lavrada a exigência fiscal ou já encerrado o prazo para apresentação de defesa administrativa.
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Mestre em Direito das Relações Econômicas e Sociais pela Faculdade de Direito Milton Campos com ênfase em Direito Tributário. Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/MG (triênio 2016/2018). Professor Universitário e de Pós-Graduação.
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