Conforme já abordamos em artigo específico, a condição de sócio possui muitos riscos, contudo, os empresários não costumam ter a real dimensão do risco que estão incorrendo. Assim, na prática, muitas vezes o sócio se envolve mais com o sentimento de novidade, liberdade e conquista e não assimila os riscos envolvidos e nem examina as alternativas disponíveis para evitá-los.
Essas alternativas são lícitas e se mostram absolutamente assertivas, sobretudo àqueles sócios que não participam do dia a dia da empresa e não querem ser surpreendidos com a responsabilização por dívidas do negócio.
Nesse contexto, precisamos falar da chamada sociedade em conta de participação, também conhecida como SCP, que é uma interessante alternativa para, não só organizar a relação entre o sócio mais atuante com o sócio investidor, mas também para proteger o sócio de capital do insucesso da atividade proposta.
O que é uma sociedade em conta de participação?
A sociedade em conta de participação é um modelo interessante e frequentemente usado para organizar empreendimentos. É muito comum, por exemplo, na construção civil, hotéis, agropecuária, mas também nos mais variados ramos para viabilizar os mais diversos tipos de investimentos.
Uma das características mais marcantes da SCP é a existência de dois tipos de sócios:
- o sócio ostensivo: que é aquele que efetivamente exerce a atividade; e
- o sócio participante antes chamado de sócio oculto: que é quem aporta dinheiro e/ou bens.
Assim, na sociedade em conta de participação, de um lado você tem um sócio que quer captar recursos para seu negócio, e do outro lado, um sócio que quer investir no negócio e colher os resultados desse aporte.
Em outras palavras, a sociedade em conta de participação nada mais é do que um contrato de investimento, que dispensa qualquer formalidade, no qual o sócio participante fornece dinheiro/bens para que o sócio ostensivo, em seu nome próprio e sob sua exclusiva responsabilidade, aplique tais recursos em determinada atividade no interesse de ambos.
Ou seja, na prática, se em uma sociedade um dos sócios assume o papel de sócio de capital, que é aquele investidor e que não participa do dia a dia, pode fazer mais sentido que ele passe a ser um sócio participante, e os motivos para isso iremos esclarecer abaixo..
Um ponto interessante da sociedade em conta de participação é que ela dispensa qualquer formalidade e não tem personalidade jurídica, de modo que sua existência não decorre do registro do contrato social, tal qual ocorre no caso de outras sociedades.
Ainda, por não ter personalidade jurídica, os terceiros que com ela se relacionam tratam com o próprio sócio ostensivo. Apesar de não possuir personalidade jurídica, desde 2014, a Receita Federal passou a exigir o CNPJ para fins de tributação, o que, vale registrar, não afasta suas características.
Esse é um ponto muito curioso da SCP pois externamente os terceiros enxergam a SCP como o próprio sócio ostensivo, desconhecendo a existência de uma SCP e dos sócios participantes. Já internamente o sócio ostensivo deve ser extremamente organizado, pois deve registrar todas as receitas e despesas para que seja verificado o resultado passível de distribuição.
A importância de um bom contrato
Apesar de ser dispensável um contrato social, é muito importante que seja feito um contrato entre os sócios, principalmente para organizar de maneira adequada essa relação interna. O direito, as responsabilidades e a participação de cada um devem estar claros, não só entre eles, como também no instrumento contratual.
Na prática, porém, o que vemos é que os contratos de SCP são e devem ser mais ricos do que um contrato social pois, como há dois tipos de sócios, com obrigações e direitos diferentes, é preciso deixar muito clara a responsabilidade de cada um.
Seria interessante que ao menos as seguintes cláusulas constem no contrato da sociedade em conta de participação:
- Qualificação completa de todo os sócios;
- Objeto da sociedade em conta de participação;
- Obrigações e direitos dos sócios;
- Plano de investimento;
- Participação/quotas;
- Participação nos lucros e prejuízos;
- Forma de apuração de resultado;
- Dissolução e apuração de haveres.
A proteção diferenciada ao Sócio Participante/Investidor
Empreender no Brasil não é tarefa fácil, pois, além de gerir capital e trabalho, o empresário assume o risco de seu negócio, colocando em risco seu patrimônio próprio. Tendo em vista a complexidade de nossa legislação e o tratamento concedido a alguns créditos (ex: crédito trabalhista), o empresário acabar perdendo praticamente tudo que construiu.
Por outro lado, é natural que alguns sócios, sobretudo aqueles que não participam do dia a dia, não queiram assumir o risco de perder seu patrimônio pessoal. Inclusive, o direito entende como legítimo esse desconforto e, ainda mais, entende que é importante que seja dada algum tipo de proteção, sob pena do próprio desenvolvimento econômico do país restar comprometido. Assim, sobretudo para os chamados sócios de capital, a legislação concede uma maior proteção.
No caso da sociedade em conta de participação, o sócio participante possui a proteção de que ao menos o seu patrimônio pessoal estará seguro, residindo o risco no investimento feito. Conquanto se reconheça que os sócios de uma sociedade de responsabilidade limitada possuam certo grau de proteção,, são várias as situações que o patrimônio pessoal do sócio pode ser responsabilizado por dívidas da empresa, de modo que, na prática, seu risco não se resume aos valores aportados para constituir o capital social.
Um ponto importante para essa proteção diferenciada é que o sócio participante deve permanecer oculto perante terceiros, isto é, a atividade proposta pela sociedade em conta de participação deve ser exercida unicamente pelo sócio ostensivo, sob pena do sócio participante também responder. Nesse sentido dispõe o parágrafo único do art. 993 do Código Civil:
(…) “o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier.”
As vantagens da sociedade em conta de participação
Uma das principais vantagens da sociedade em conta de participação é justamente conceder um alto grau de proteção para o patrimônio pessoal do sócio participante que, pode ser tanto uma pessoa física como uma empresa. Ou seja, em caso de insucesso com o empreendimento apenas o sócio ostensivo responde perante terceiros.
Outro ponto é que a sociedade em conta de participação possui importantes vantagens tributárias:
- Os valores distribuídos aos sócios participantes não sofrem a incidência de tributos, pois o recolhimento já foi feito pelo próprio sócio ostensivo; e
- É possível a adoção de outro regime de apuração do lucro que não o do sócio ostensivo. Por exemplo: o sócio ostensivo pode ser optante pelo lucro real e a sociedade e conta de participação pode optar pelo lucro presumido e vice versa, o que também dá margem para realização de um interessante planejamento tributário.
Contudo, vale ressalvar, a sociedade em conta de participação não é compatível com o regime do SIMPLES nacional e também não pode receber investimentos estrangeiros por vedação do BACEN.
A sociedade em conta de participação, por dispensar qualquer formalidade, acaba se mostrando pouco burocrática, desobrigando a intervenção da junta comercial, de modo que qualquer alteração pode ser promovida pelos envolvidos. Só é preciso tomar cuidado para que a falta de formalidade não acabe acarretando em desorganização, pois é importante certo grau de profissionalismo para que os direitos e deveres das partes fiquem claros e seguros.
Outro aspecto interessante da SCP é que ela permite uma segmentação muito interessante. Por exemplo, as partes podem investir somente em determinado segmento de determinada empresa, de modo que é possível que os sócios participantes aufiram um resultado positivo mesmo no caso de uma empresa que obteve resultado negativo. Ou seja, o sócio participante tem a segurança de que seu resultado não será impactado pelo resultado geral da empresa e tem o estímulo de criar projetos e investimentos específicos.
Conclusão
A condição de sócio, mesmo em uma sociedade limitada, oferece riscos importantes aos empreendedores. Por isso, uma estruturação adequada do empreendimento pode evitar que o patrimônio pessoal do sócio venha a responder pelas dívidas da empresa.
Nesse contexto, a sociedade em conta de participação apresenta uma formatação muito interessante e adequada pois, além de proteger o patrimônio do sócio investidor, ainda se mostra muito flexível e desburocratizada para conciliar o interesse das partes.
Para ter sucesso neste tipo de empreendimento, contar com uma assessoria jurídica especializada pode fazer toda a diferença.
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Mestre em Instituições Sociais, Direito e Democracia pela FUMEC na linha de pesquisa de Direito Privado: Autonomia Privada, Regulação e Estratégia Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos e Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FEAD. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos.